“Nossos cérebros são esculpidos por nossas experiências da infância.
O maltrato é um cinzel* que modela o cérebro para o confronto com a adversidade às custas, porém, de feridas profundas e permanentes”
Martin Teicher, MD. PhD.
Professor de Psiquiatria em Harvard
Sempre escrevo sobre os abusos sofridos pelas crianças, e a importância de nós, adultos, termos a coragem de olhar para nossos primeiros anos de vida na busca da verdade do que vivenciamos, sentimos, e na maioria das vezes, reprimimos. Quando isso ocorre, não esquecemos o que passamos e sentimos, apenas ficam reprimidos em nosso inconsciente. Por isso, ao contrário do que diz o ditado popular, que o tempo cura tudo, o tempo por si só não cura traumas de infância. Exatamente pelo fato que tudo continua registrado em nosso inconsciente, e principalmente porque o trauma precoce afeta as áreas do cérebro.
Quando se vive algum tipo de abuso; físico/emocional/sexual e/ou negligência, o trauma é configurado. O trauma psicológico é um tipo de dano emocional que ocorre como resultado de um algum acontecimento. Pressupõe uma experiência de dor e sofrimento emocional e/ou físico. Como experiência dolorosa que é, o trauma acarreta uma exacerbação do medo, o que pode conduzir ao estresse, envolvendo mudanças físicas no cérebro e afetando o comportamento e o pensamento da pessoa, que fará de tudo para evitar reviver o evento que lhe traumatizou.
Entretanto, pessoas diferentes reagem de maneiras diferentes em eventos similares. Uma pessoa pode sentir como traumático um evento que outra pessoa pode não sentir, e nem todas as pessoas que passam por experiências traumáticas podem se tornar psicologicamente traumatizadas.
Mas qual a relação entre os traumas de infância e a saúde na vida adulta?
Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças e Saúde Clínica de Avaliação do Kaiser Permanente, em San Diego está realizando um estudo das experiências adversas na infância – ACE (experiência adversa na infância é um evento traumático ou abuso prolongado, que aconteceu antes da idade de 18 anos), sendo considerada uma das maiores investigações já realizadas para avaliar a associação entre maus tratos na infância e saúde na vida adulta.
Crianças que são abusadas correm maior risco de problemas de saúde quando adultos. Estes problemas incluem alcoolismo, depressão, abuso de drogas, distúrbios alimentares, obesidade, comportamentos sexuais de alto risco, tabagismo, suicídio e doenças crônicas.
Pesquisas sobre crianças que sofreram abuso emocional cedo ou privação grave, indica que tais maus-tratos podem alterar permanentemente a capacidade do cérebro de usar serotonina, que ajuda a produzir sentimentos de bem-estar e estabilidade emocional através da alteração do equilíbrio neuroquímica do cérebro, alterando a capacidade da criança de interagir positivamente com os outros.
Outros estudos publicados identificaram associação entre trauma na infância e depressão na vida adulta. Vivências traumáticas na infância, como a perda de vínculos afetivos devido à morte de pais ou de irmãos ou, ainda, a privação de um ou de ambos os pais por separação ou abandono constituem importantes fatores associados à depressão na vida adulta.
Aqueles que passaram por abuso sexual, negligência ou disfunção familiar apresentam índices mais elevados de doenças cardíacas e diabetes. Eles também tendem a ter mais doenças pulmonares (390%), mais depressão (460%), hepatite (240%) e maior tendência ao suicídio (1.220%).
Em 2014 aconteceu o 10º Congresso Internacional do Cérebro, Comportamento e Emoções, em Montreal, e reuniu as principais referências da neurologia e psiquiatria de diferentes centros de pesquisa do mundo. Os maiores neurocientistas apresentam novas pesquisas sobre Alzheimer, depressão e transtorno bipolar, traumas precoces na infância – e o impacto na fase adulta.
Uma das atrações do evento foi o WebMeeting que a organização realizou com a imprensa. O presidente do congresso, André Palmini, destacou que alguns trabalhos apresentados abrem um novo prisma sobre a relação entre traumas da infância e o desenvolvimento de patologias na fase adulta.
Ao acessar o link abaixo, irá aparecer uma ficha para sua inscrição e em seguida terá acesso ao áudio, com duração de 1:03 minutos.
Segundo pesquisas, todos os abusos afetam seriamente o desenvolvimento do cérebro da criança, tanto em sua arquitetura anatômica como em seu padrão de funcionamento químico. Para saber mais sobre o assunto, leia o livro: A suprema covardia: abuso e negligência da criança (e seu impacto no cérebro em desenvolvimento) – São Paulo: Vivali, 2004. Galeotti, Sandra
Se você sofreu algum abuso quando criança ou conhece quem passou por isso, saiba que a Análise Junguiana que tem como foco o inconsciente, consegue acessar conteúdos reprimidos pelas diversas técnicas que a teoria de Jung oferece. Os estudos de Alice Miller também ajudam nesse doloroso processo de rompimento do silêncio do sofrimento na infância.
*Cinzel: Instrumento de aço cortante, usado por escultores e gravadores.