Trauma de Infância

“Não são os traumas que nos tornam doentes, mas sim a incapacidade de expressá-los”
Alice Miller

 

Falamos muito sobre trauma, mas o que realmente significa o trauma de infância? Como ele se configura? Por que é importante sabermos sobre esse assunto? Pessoas que tiveram algum tipo de abuso, seja físico, emocional e/ou sexual, nem sempre sabem que vivenciaram um abuso, e menos ainda que esses abusos podem ter configurado um trauma psíquico.  Uma pessoa que sofre abuso na infância pode possuir traumas que, futuramente, na vida adulta, podem acarretar consequências impactantes.

 

“Só podemos nos libertar o que identificamos”

 

Um dos objetivos do meu trabalho é identificar as causas do trauma psicológico infantil. Uma criança ferida (foco central do meu trabalho) é quem foi vítima de: rejeição, abandono, abuso físico, emocional e/ou sexual, negligência física e/ou afetiva, tendo como consequência o trauma.

Segundo estudos recentes sobre a vida emocional do feto, já é possível associar a violência doméstica na gravidez a sintomas de trauma na criança.

 

Um trauma psíquico não ocorre apenas na infância, nem apenas como sequelas do abuso infantil, mas também pode ocorrer na vida adulta diante de várias situações: violência, ameaça, desilusão, bullying, decepção, conflitos familiares, rompimento com pais, irmãos ou pessoas próximas, aborto, separação conjugal, hospitalização, mudanças drásticas de vida, aposentadoria, perda de bens, acidentes, assalto, sequestros, ou catástrofes naturais como tempestades, raios, terremotos, guerra, incêndios.

A palavra trauma vem do grego e significa feridaO trauma psíquico ou psicológico é um tipo de dano emocional, uma ferida psíquica, que se origina de um abuso.

O trauma pode se referir a um único acontecimento externo ou ao acúmulo deles.

A definição de trauma no Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Norte-Americana de Psiquiatria, DSM-IV descreve como: “experiência de ameaça a vida ou à integridade física, vivenciada com intenso medo, desamparo, impotência ou terror”.

A maneira como as pessoas processam o evento estressante após sua ocorrência pode ser determinante para que o trauma seja configurado ou não. Quanto mais imprevisível for um evento, mais traumático será. Um trauma necessariamente não aparece no momento exato do evento traumático, pode levar meses ou anos a se manifestar.

O trauma pode ser causado por vários tipos de eventos, mas há alguns aspectos em comum. Geralmente envolve o sentimento de completo desamparo diante de uma ameaça real ou subjetiva à própria vida, ou à vida de pessoas amadas, ou à integridade do corpo.

Um evento traumático é um excesso de estímulos que a mente não pode filtrar ou negar temporariamente, ocasionando uma desorganização em seu funcionamento.

 

 

  • Características do trauma psicológico:
    O trauma não é necessariamente caracterizado pelo evento em si, mas pela combinação entre sua qualidade violenta e a incapacidade da pessoa para processar, assimilar e integrá-lo em sua psique. É como querer carregar algo mais pesado do que podemos suportar.

 

  • Fatores que determinam a profundidade do dano:

– A idade da criança no início do abuso: quanto mais nova, maior é o dano;

 Duração do abuso: algumas evidências sugerem que maior duração produz consequências mais negativas;

– O grau de violência: uso de força pelo abusador resulta em consequências mais negativas tanto a curto como a longo prazo;

– A diferença de idade entre a pessoa que cometeu o abuso e a vítima: quanto maior a diferença, mais grave são as consequências;

– A importância da relação entre abusador e vítima: quanto maior a proximidade e intimidade, piores as consequências;

– A ausência de figuras parentais protetoras e de apoio: o dano psicológico é agravado;

– O grau de segredo e de ameaças contra a criança: quanto mais tempo demorar para contar, mais tempo levará para receber ajuda;

– Omissão por parte dos pais: infelizmente há muitos casos de mães omissas: fingem não ver o que seus maridos ou companheiros praticam com seus (suas) filhos(as), colaborando ainda mais para a configuração do trauma psíquico;

– Medo de contar e não acreditarem: pode levar a reprimir e esquecer, mas o corpo irá registrar e posteriormente, lembrar.

O silêncio pode aumentar as consequências do trauma e amplificar o sofrimento. É muito comum as pessoas evitarem falar sobre o que ocorreu, pensando que assim a dor irá diminuir, mas manter o abuso em segredo apenas reprime a dor, e faz com que se intensifique.

O trauma psicológico é uma resposta emocional que ocorre a partir da vivência de uma experiência dolorosa, angustiante e crítica, como presenciar a morte de um ser querido (mesmo que seja de uma pessoa desconhecida), sofrer algum tipo de abuso, alguma situação próxima da morte, etc. Um trauma psicológico pode mudar completamente a personalidade de um indivíduo e transformar sua vida em uma experiência totalmente diferente.

Pressupõe uma experiência de dor e sofrimento emocional e/ou físico. Como experiência dolorosa que é, o trauma acarreta uma exacerbação do medo, que pode conduzir ao estresse, envolvendo mudanças físicas no cérebro e afetando o comportamento e o pensamento da pessoa, que fará de tudo para evitar reviver o evento que lhe traumatizou. Igualmente, pode acarretar depressão, comportamentos obsessivos compulsivos e outras fobias ou transtornos, pânico ou estresse pós-traumático.

Uma das piores sequelas do trauma é a compulsão à repetição, que Alice Miller chama de “lógica do absurdo”. O que traumatiza e não se tem consciência, por regra, repete-se!

  • O trauma pode ser configurado em diversas situações, como:
    – Alteração de rotina causada por mudança de escola/ trabalho/ casa, cidade, perda financeira;
    – A morte de um amigo, membro da família ou animal de estimação;
    – Divórcio (quando sentido como abandono por quem sai de casa);
    – Rompimento com pais, irmãos ou pessoas próximas;
    – Hospitalização (podendo ser dos pais);
    – Traição/ Perda de confiança;
    – Dor física e/ou emocional;
    – Lesão física ou doença;
    – Terrorismo ou desastres em massa;
    – Violência ou guerra;

 

  •  Um evento poderá conduzir a um trauma se:
    – Aconteceu inesperadamente;
    – Você estava despreparado para isso;
    – Você se sentiu impotente para impedi-lo;
    – O fato indesejado aconteceu repetidas vezes;
    – Houve intenção cruel de alguém;
    – Aconteceu na infância.

 

  • Outras causas importantes:
    – Ferimentos graves resultante de incapacitação ou danos na aparência;
    – Cirurgias, especialmente nos primeiros 3 anos de vida;
    – Acidente de automóvel;
    – Rompimento de um relacionamento significativo;
    – Experiência humilhante ou de profundo desapontamento;
    – A descoberta de uma doença fatal ou incapacitante;

 

  •  Traumas de infância resultam de qualquer experiência que perturba a proteção e segurança de uma criança, incluindo:
    – Ambiente instável, inseguro, agressivo, permissivo, indiferente;
    – Separação abrupta de um dos pais (por abandono/ morte/ hospitalização, viagem longa);
    – Doença grave;
    – Procedimentos médicos invasivos;
    – Abuso físico, emocional e sexual;
    – Violência doméstica;
    – Negligência física e/ou afetiva;
    – Bullying.

Para o ECA é considerada criança a pessoa com idade inferior a doze anos e adolescente entre doze e dezoito anos de idade, culturalmente no Brasil se considera adolescente a partir dos 13 anos.

 

  • Trauma e Dissociação
    Dissociação foi um termo criado por Janet no final do século XIX para descrever um estado mental onde ocorre um rompimento de consciência. É um mecanismo de proteção psicológica ao medo e a ansiedade. Durante a dissociação a pessoa experimenta distorções de memória, afeto, percepção ou senso de identidade.

É comum ocorrer durante a dissociação alterações de percepções, como: sensações somáticas, tempo, períodos de amnésia, irrealidade e despersonalização. A dissociação ocorre quando a ansiedade se torna tão esmagadora que certos aspectos da personalidade se dividem. As manifestações de dissociação servem para nos proteger do conflito que produz a ansiedade.

O cérebro pode usar a dissociação para abafar as memórias de abuso de um dos pais, a fim de preservar a imagem de um deles, resultando em amnésia para o abuso. No entanto, as memórias do abuso permanecem, e criança pode experimentá-las em resposta a disparos ou como flashbacks ou pesadelos.

 

  • Passei por um trauma, o que faço agora?
    Ao identificar que passou por alguma situação que possa ter configurado um trauma psíquico, o primeiro passo é buscar ajuda profissional. Por mais medo e resistência que possa ter ao pensar em falar sobre o que causou, ou ainda causa tanta dor, é preciso lembrar que não falar sobre o que aconteceu não irá eliminar sua dor, apenas ficará reprimida e poderá se fazer presente através de sintomas físicos e/ou emocionais.

Tudo que nos acontece nos primeiros anos de vida tende a causar mais danos que nos anos seguintes. Mesmo que não se lembre do fato, como se nunca tivesse acontecido, estará registrado e reprimido em seu inconsciente,  e ainda assim pode provocar muita dor física e/ou emocional.

Estudos com pessoas traumatizadas mostram que o silêncio pode aumentar a dimensão do trauma, assim como amplificar o sofrimento. Por outro lado, cada vez que contamos e recontamos uma história estamos inserindo novos elementos cognitivos e a modificando.

É muito importante falar sobre a situação que originou o trauma. Durante o processo da psicoterapia/análise, você irá trabalhar juntamente com o profissional, no sentido da validação e ressignificação. O trauma não será apagado, mas será ressignificado (visto de outra forma), não mais criando sintomas. Apesar da crendice de que o tempo cura tudo, o tempo por si só não cura traumas de infância.

A ressignificação, o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e a orientação do pensamento e do comportamento para o tempo presente são estratégias terapêuticas utilizadas a fim de promover a integração das experiências traumáticas, através da transformação, incorporação e resolução das memórias relativas a essas vivências traumáticas.

 

  • Encontre um profissional especializado
    Ao decidir buscar um profissional, procure indicação de conhecidos ou busque referências sobre o profissional escolhido para ter certeza que este tenha experiência em abuso infantil ou trauma psíquico, se este for o seu caso. Isso é de fundamental importância, pois se o trabalho não for feito adequadamente, poderá ser retraumatizado. Ou seja, quando um trauma é negligenciado, não validado, ou desconsiderado, ele se potencializa, podendo causar mais danos. Mas só a experiência do profissional não basta, é preciso que ele também seja acolhedor, tenha empatia pela sua dor, ouça com atenção sua história e não julgue. E acima de tudo, acredite em sua intuição para encontrá-lo!

Para saber um pouco mais como Jung, Ferenczi e Alice Miller abordam o assunto, acesse o link abaixo.

Traumas psicológicos podem afetar a qualidade de vida com grande impacto, caracterizando o Transtorno de Estresse Pós-Traumático – TEPT.